Precisamos falar sobre uma tendência silenciosa, que traz uma série de preocupações: a inevitável escassez do níquel. Poucas commodities desempenham um papel tão crucial na indústria quanto o níquel, metal versátil que é fundamental, e praticamente insubstituível, em inúmeras aplicações industriais. Apesar de subestimado, o níquel tem grande importância em diversos setores e contribui para o desenvolvimento econômico e tecnológico.
Extensamente utilizado em diversas indústrias, tais como a metalúrgica e eletrônica, o níquel é um ativo crítico em nossa economia e indispensável para a produção de um item com demanda em crescimento exponencial e cada vez mais essencial em nossa sociedade: baterias recarregáveis.
Neste artigo, vamos explorar os motivos pelos quais a escassez do níquel é tão premente e como isso pode afetar, antes do que se espera, diversos setores da economia e indústrias que dependem desta commodity para sua operação.
Índice
Introdução
A produção atual de níquel é muito inferior ao que será necessário em breve, de acordo com a demanda atual e a perspectiva de crescimento, e isso vem passando despercebido. Enquanto muitos podem não estar cientes, a disponibilidade global está diminuindo silenciosamente, ao mesmo tempo em que a dependência do metal, especialmente naqueles setores e mercados que gozam de rápido crescimento, aumenta a cada dia.
De acordo com a consultoria americana McKinsey, um dos principais obstáculos na transição para uma matriz elétrica de mobilidade é a disponibilidade de níquel. A descoberta também é apoiada por investigadores do Instituto Fraunhofer, na Alemanha, que esperam um aumento significativo na procura de níquel para baterias de veículos eléctricos. Segundo eles, a transição para a mobilidade elétrica necessitaria de até 2,4 milhões de toneladas até 2040. Os especialistas alemães prevêem um aumento na procura para até 6 milhões de toneladas até 2050.
As últimas previsões já apontavam uma procura adicional de 8 a 12% só em 2022 e um crescimento no volume de mineração de 11% a 20%, contando com que a procura de níquel de alta qualidade, apenas para baterias, aumentasse 20% em 2022. Espera-se que a procura aumente cerca de 95% entre 2020 e 2030 e que, em 2040, a procura adicional seja quase 170% superior à de 2020.
Dado que a bateria de um veículo elétrico utiliza cerca de 300 quilos de níquel em sua fabricação, somente a União Europeia necessitará de 2,85 milhões de toneladas de níquel, anualmente, até 2030. Se, como neste cenário, a China migrar 75% das suas vendas de automóveis novos para veículos eléctricos até 2030, então ficaríamos sem níquel mais cedo do que qualquer um pode prever.
Todos estes fatos apontam para uma provável valorização do níquel (seguindo a velha lógica de oferta e demanda), o que pode ser de extrema relevância para a economia global e para o mercado financeiro. Afinal, por que este metal é tão valorizado e tende a ficar mais caro ao longo do tempo? Acima de tudo, como será a valorização de uma commodity essencial para a fabricação de baterias, enfrentando demanda e escassez crescentes? Para entender suas aplicações e seu valor, precisamos entender um pouco do que é o níquel.
Muito prazer, Ni do grupo 10
O níquel ou, para os íntimos, Ni (seu símbolo na tabela periódica) é um elemento de transição de número atômico 28 e de massa atômica 58,7 que pertence à família dos metais do grupo 10 da tabela periódica. Isso significa que é um metal duro, possui alta condutividade elétrica e forma ligas com facilidade, além de ser altamente resistente à corrosão, características que fazem dele um componente muito importante na fabricação de ligas metálicas.
Amplamente conhecido (afinal, está lá na tabela periódica) e utilizado em uma infinidade de aplicações, o metal é capaz de suportar altas temperaturas, sendo indispensável em processos que envolvem grandes variações e extremos térmicos, tais como os que ocorrem durante a produção do aço inoxidável. Esta popular liga metálica, praticamente onipresente em nossas vidas, é apenas um dos materiais que dependem do níquel para sua fabricação.
Com todas essas qualidades e propriedades únicas, que fazem do níquel um metal essencial para uma infinidade de aplicações industriais, suas aplicações podem ser encontradas e em diversos setores da economia que operam desde o subterrâneo até o espaço sideral.
De onde vem e pra onde vai?
Entender o impacto da escassez de níquel na economia mundial depende de conhecer um pouco do seu fluxo de produção e consumo. Sua utilização vai muito além da metalurgia e esse fato é importante para compreender esse cenário, pois o metal desempenha um papel, igualmente importante, na produção de inúmeros produtos.
Imagine, por exemplo, uma cozinha, um banheiro, uma sala de cirurgia ou uma cervejaria (aí já é demais) sem aço inoxidável. Quase impossível, sem pensar em termos medievais, certo? O níquel é essencial para a produção desta e de outras ligas metálicas extensamente utilizadas em inúmeros produtos e componentes muito importantes para as nossas vidas, presentes no cotidiano da maioria das pessoas.
Bisturis, bicicletas, bibelôs, cadeiras, cabos e catalisadores automotivos, que contém metais raros (categoria para a qual o níquel deve entrar em breve), dependem do metal para sua fabricação, tanto quanto inúmeros outros produtos de relevância econômica e social.
Países Produtores com Reservas de Níquel
Muitos países em todo o mundo extraem níquel, e é claro que a maioria guarda bastante. De acordo com o estudo Mineral Commodity Summaries, publicado em 2022 pelo USGS (agência de pesquisa geológica do Departamento de Interior dos Estados Unidos), a produção global em 2022 foi estimada em 3,3 milhões de toneladas métricas, enquanto as reservas mundiais totalizaram cerca de 100 milhões de toneladas métricas.
Entre os países com a maior quantidade em estoque, a Indonésia e a Austrália estavam empatadas, ambas detendo as maiores reservas do mundo, com 21 milhões de toneladas métricas cada. O Brasil veio em terceiro lugar, com 16 milhões de toneladas métricas. Confira abaixo a lista dos principais países produtores de níquel em 2022, com base nos dados mais recentes do US Geological Survey:
PAÍS | PRODUÇÃO | RESERVAS |
1. Indonésia | 1.600.000 | 21.000.000 |
2. Filipinas | 330.000 | 4.800.000 |
3. Rússia | 220.000 | 7.500.000 |
4. Nova Caledônia | 190.000 | (N/D) |
5. Austrália | 160.000 | 21.000.000 |
6. Canadá | 130.000 | 2.000.000 |
7. China | 110.000 | 2.800.000 |
8. Brasil | 83.000 | 16.000.000 |
9. Estados Unidos | 18.000 | 340.000 |
10. (outros países) | 410.000 | 20.000 |
A grande questão é que, com as reservas exploráveis da Indonésia previstas para durar pouco, esse fato deixa uma pergunta no ar. Qual será o papel do Brasil nesse cenário vindouro, como o provável detentor da segunda maior reserva global de um commodity em escassez, tão essencial para diversos setores e indústrias? Algumas fontes indicam que, na próxima década, o mercado mundial de níquel pode virar de cabeça para baixo e chacoalhar com a sutileza de um Golden Retriever saindo da piscina, principalmente por causa da demanda de baterias para carros elétricos.
Processos de Extração e Produção
A forma como o níquel é extraído e processado depende de muitos fatores, tais como tamanho, teor, morfologia e profundidade do depósito de níquel a ser explorado.
Embora os depósitos de níquel laterítico (presente em extratos porosos com alto teor de metais) sejam geralmente extraídos por meio de mineração a céu aberto, os depósitos de níquel sulfetado (presente em minerais encontrados em rochas) são frequentemente extraídos utilizando métodos de extração subterrânea.
Após a mineração, o minério é processado em concentrados de alto teor por meio da fragmentação e triagem do material contendo níquel, usando vários métodos de processamento físico e químico. O processo de produção subsequente inclui etapas como fundição, refinamento e a produção de lingotes puros ou de ligas com níquel, para diversas aplicações.
A Importância na Indústria Moderna
O níquel é um metal amplamente utilizado na produção de uma infinidade de produtos e componentes, sendo mais conhecido por sua presença em ligas metálicas (principalmente o aço inoxidável). No entanto, sua importância vai muito além disso.
Metalurgia
O primeiro setor que vem à mente quando se trata de metais é o da metalurgia. É um dos maiores consumidores de níquel, pois o elemento é utilizado na produção de ligas amplamente empregadas em construções, utensílios domésticos, aplicações médicas e, até mesmo, na construção de naves espaciais, devido à sua versatilidade, resistência e durabilidade. Sem o níquel, a fabricação de ligas como a de aço inoxidável de alta qualidade seria praticamente impossível.
Indústria Automotiva
Com a transição acelerada para uma matriz de mobilidade elétrica e um mundo com uma infraestrutura insuficiente para atender a demanda, a indústria automotiva tende a ser uma das mais afetadas pela escassez de níquel. As baterias de carros elétricos contêm uma quantidade significativa desse metal, e a falta de níquel pode levar a aumentos de preço e atrasos na produção de veículos. De acordo com a consultoria McKinsey, o consumo de baterias é um dos maiores desafios enfrentados pelos fabricantes de automóveis elétricos, pois a procura global de baterias está aumentando, impulsionada pelo imperativo de reduzir o impacto climático por meio de uma transição energética mais ampla, incluindo a eletrificação dos transportes.
Eletrônicos e Tecnologia
O níquel é utilizado em diversas aplicações na indústria de tecnologia, desde conectores elétricos até componentes eletrônicos avançados. Sua condutividade elétrica, durabilidade e resistência à corrosão o tornam um elemento essencial na fabricação de dispositivos eletrônicos de alta qualidade.
Setor de Energia
Além de ser um elemento fundamental na fabricação de ligas metálicas utilizadas em dispositivos elétricos, eletromecânicos e eletrônicos, o níquel desempenha um papel vital na produção de um item sem o qual nossas vidas não seriam iguais e sem o qual muitos desses dispositivos não funcionam: baterias recarregáveis.
Até meados da década de 90, o níquel era largamente empregado na fabricação de baterias recarregáveis de níquel cádmio (NiCd) que, até então, dominavam o mercado (algo que só quem tem mais de 40 vai se lembrar). Atualmente, é muito utilizado nas baterias de íons de lítio (ou Li-ion, ou Lithium-ion, ou íon-lítio, como você preferir), que alimentam uma ampla gama de aparelhos como, por exemplo, veículos elétricos, telefones celulares, tablets, computadores, ferramentas, dispositivos elétricos e eletrônicos em geral, além de unidades geradoras e sistemas de armazenamento de energia, entre outros.
O setor de geração de energia também está sujeito aos impactos da escassez de níquel e, com o crescente interesse nas energias renováveis, o metal desempenha um papel vital na fabricação de baterias de íons de lítio de alta performance para armazenamento de energia, vitais para a estabilidade das redes elétricas e para a integração de energias renováveis.
Estas baterias também dependem do níquel para sua fabricação e a falta do metal pode prejudicar o crescimento do mercado de energia. As baterias são fundamentais para o armazenamento de fontes variáveis de geração de energia, como solar e eólica, contribuindo na transição para uma matriz energética mais limpa e sustentável.
Impactos na Economia
Consumo Global
O consumo global de níquel tem se mantido em crescimento constante, impulsionado pelo aumento da demanda por aço inoxidável e baterias recarregáveis. À medida que a indústria de veículos elétricos se expande, a necessidade de níquel em baterias de alta densidade energética também aumenta, fazendo dele uma commodity ainda mais valorizada.
Demanda Crescente
Nos últimos anos, a demanda por níquel tem aumentado impulsionada pelo crescimento da indústria de veículos elétricos e pelas inovações na tecnologia de baterias. Além disso, o aço inoxidável (liga que depende dele) continua sendo um dos materiais preferidos em aplicações médicas, industriais e de construção, devido à sua versatilidade e resistência à corrosão. Esses fatores, combinados com o aumento da digitalização e da urbanização global, têm contribuído para a crescente demanda.
Reflexos de uma Oferta Finita
No ritmo de extração atual, em menos de oito anos, as Filipinas serão a primeira nação a enfrentar o esgotamento total de suas fontes de níquel pois, até 2030, já não será mais possível extrair mais nenhum grama do metal nos depósitos atualmente conhecidos, devido à enorme escassez e crescente demanda.
Dado que, atualmente, a China recebe a maior parte do seu níquel das Filipinas, é provável que isto coloque o mercado chinês sob pressão. Devido às sanções ocidentais, outros países (como a Rússia) poderão vender parte da sua produção à China para ajudar a suplantar a falta de minério indonésio, causando escassez em mercados abastecidos por esses países (especialmente na Europa e na América do Norte, no caso do minério russo).
De qualquer forma, esse cenário também não se manteria por muito tempo, pois os depósitos de minério de diversos países também se esgotam em breve. Após as Filipinas, a previsão é que os depósitos de níquel mineráveis se esgotem no Canadá (2032), nos Estados Unidos (2034), na China (2035), na Indonésia (2036) e na Rússia (2039).
Assim como foi o ano de 2020, os anos de 2030 e 2040 tendem a ser grandes marcos no mercado global deste commodity, com algumas reviravoltas até o fim desse período de duas décadas.
A tendência é que o acesso ao níquel torne-se algo cada vez mais difícil daqui em diante, sendo apenas uma questão de tempo até alguma corporação ou um empresário visionário decidir o que vale mais a pena: reciclar, procurar no fundo do mar ou trazer do espaço. O mais incrível disso tudo? Já tem gente pensando, seriamente, em trazer do espaço (o que já é, tecnicamente, possível).
Desafios e Alternativas
Tal como com qualquer recurso natural importante para a indústria e o desenvolvimento tecnológico, é crucial manter reservas globais adequadas de níquel e buscar novas fontes deste elemento. A questão é que as reservas estão acabando e não temos outra crosta terrestre onde procurar.
A alternativa mais comum é a extração de minério em depósitos de níquel laterítico (presente em extratos porosos com alto teor de metais), mas o processo é custoso, a taxa de aproveitamento muito baixa e os danos ao meio ambiente, consideráveis.
A não ser que processos de reciclagem e uma economia circular tornem-se ubíquos e extremamente eficientes em um curto período de tempo, restam poucas opções à mineração tradicional, tais como a mineração em águas profundas ou, até mesmo, a mineração em asteroides. Claro que isso só seria possível se elas se provarem operações comerciais viáveis em um futuro próximo, mas isso só depende de três fatores: tempo, escassez e valor do ativo.
Medidas para Mitigar a Escassez
Reciclagem
Uma das formas mais eficazes de mitigar a escassez de níquel é investir em programas de reciclagem de produtos e materiais contendo níquel como, por exemplo, baterias e eletrônicos.
Dada a crescente conscientização ambiental, a reciclagem de níquel desempenha um papel crucial na conservação de recursos naturais, pois o níquel pode ser reciclado a partir de várias fontes nocivas, incluindo baterias usadas e resíduos industriais. Isso não apenas reduziria a poluição e o desperdício mas, também, a dependência de minas de níquel como principal fonte, além de contribuir para um uso mais sustentável desse recurso.
Pesquisa e Desenvolvimento
Com o crescente foco na sustentabilidade e na transição para fontes de energia limpa, as reservas de níquel têm um papel crucial na produção de baterias de próxima geração. A pesquisa e desenvolvimento contínuos estão focados em tornar a extração e produção de níquel mais sustentáveis e ecologicamente corretos, além de buscar substitutos, o que mostra o quanto é necessário incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias alternativas que possam reduzir os níveis de dependência e exploração dos recursos naturais.
Somente com estudo, pesquisa e desenvolvimento contínuos podemos superar esse desafio, e isso inclui a exploração de novos materiais como alternativas e novos métodos de obtenção e produção de ligas que contém o metal.
Níquel como Investimento
Se você chegou até aqui, significa que quer saber mais sobre os mercados de renda variável e commodities, assim como sobre os diversos produtos disponíveis no mercado para quem vê nas commodities, como o níquel, uma boa opção de investimento.
Assim como ouro e prata, diversos metais são negociado em bolsas ao redor do mundo, mas não exclusivamente em sua forma física. Existem muitas formas de investir em uma commodity, tais como ações de mineradoras, fundos de investimento, mercado futuro, contratos para diferenças cambiais, COEs, ETFs, ETNs, CFDs e outros produtos comuns no mercado financeiro.
Caso tenha interesse em saber mais, basta entrar em contato com nossa equipe e iremos auxiliar nesta jornada. Para saber mais sobre como investir em commodities, preencha o formulário abaixo.
Conclusão
Neste artigo, exploramos a produção e as reservas de níquel ao redor do mundo, bem como os mercados em torno do metal, identificando os principais países com depósitos significativos e os processos de extração e produção. Abordamos as aparentes causas e consequências do crescente consumo global deste ativo, aliados à inevitável escassez global do mineral, fornecendo informações detalhadas e precisas para manter nossos leitores bem informados sobre essa commodity com tendências de se tornar cada vez mais valiosa.
À medida que o mundo avança em direção a tecnologias mais limpas e sustentáveis, o níquel continuará a desempenhar um papel vital em diversos setores e indústrias essenciais. É um elemento que desempenha um papel quase insubstituível em nossa economia, cujas propriedades únicas o tornam indispensável em inúmeros processos, desde a produção de aço inoxidável até a fabricação de baterias de alta performance, sendo um elemento essencial para o progresso tecnológico e econômico da nossa sociedade.
A escassez de níquel é uma questão que merece atenção. Se não forem tomadas medidas significativas para enfrentar essa crise em potencial, ela pode ter ramificações para indústrias cruciais, tais como as de saúde, energia e transporte. É fundamental que governos, empresas e pesquisadores trabalhem juntos para encontrar soluções sustentáveis e garantir um suprimento adequado de recursos essenciais para as gerações futuras.
Lembre-se de que, embora este artigo forneça uma visão abrangente do cenário atual, ele tem caráter meramente informativo e não deve ser considerado como uma sugestão de investimento. É essencial pesquisar, estudar e manter-se atualizado(a) sobre as últimas tendências e desenvolvimentos relacionados ao mercado de commodities, estabelecendo um alicerce para enfrentar esse e outros desafios complexos.